Meu nascimento em Nápoles, Itália
Patricia Dagmar Jirousek nasceu no dia primeiro de junho de 1950, em Vomero, na cidade italiana de Nápoles. Meus pais, Drahomira Bohacova e Miroslav Jirousek estavam no Campo de Refugiados Bagnoli quando eu fui concebida. Logo fui batizada em Pozzuoli na Chiesa di San Paolo (Paolo era discípulo de Jesus enviado para a Pozzuoli para cristianizar a população, por isso ergueram a igreja). Pozzuoli também e a cidade natal da atriz italiana Sofia Loren.
Porque estavam lá? Em fevereiro de 1948, os soviéticos comunistas vieram da Rússia com o pretexto de “salvar” os tchecoslovacos dos nazistas e, infelizmente, nunca mais foram embora. Nesta data, o regime comunista fechou as fronteiras do país, colocando arame farpado na fronteira da Checoslováquia com Alemanha, Áustria, Hungria, Polônia e Ucrânia.
Por toda a fronteira, em pontos estratégicos, haviam torres de observação com guardas armados e cães treinados para capturar os fugitivos. Atiravam em qualquer um que tentasse fugir do país. Além disso, antes de julho de 1948, a Fábrica de sapatos Jiro, que pertencia a meu avô: Arnost Jirousek, foi estatizada e todos os seus bens roubados.
Os comunistas deram 48 horas para meus avós saírem da sua casa, receberam um endereço na fronteira com a Polônia onde tinha uma casa para eles. Aliás, a casa só tinha um quarto com quatro paredes intactas, o resto estava abandonado e quebrado.
A tomada dos bens, aquele roubo, foi o momento de virada para meu pai, que decidiu sair do país. Mas neste momento, já não podia sair como um simples turista, teria que planejar muito bem a fuga para chegar a Alemanha.
Meu pai era economista e já sabia o que esperar vivendo neste regime comunista-socialista, onde não haveria nenhuma liberdade para os cidadãos se locomoverem, escolher profissão, moradia, viajar para fora do país, ouvir notícias internacionais e etc. Não poderiam pensar e nem agir de forma individual. Seria o regime do terror e medo. Os salários seriam iguais para todos, independente da profissão, e pessoas que tivessem parentes empreendedores eram terrivelmente castigados. Todos tiveram que fugir, caso contrário seriam presos ou fuzilados.
Em 1944 minha mãe trabalhou para uma família de diplomatas Tchecos lecionando piano em Estocolmo, Suécia. Ao descobrir que eles eram comunistas, voltou imediatamente para sua casa em Zlin, na Tchecoslováquia.
Meus pais, que moravam na mesma rua e se conheciam, começaram a namorar quando minha mãe voltou da Suécia, decidiram se casar em 4 de Julho de 1948, em Zlin. Alguns dias depois do casamento, atravessaram a fronteira Tcheca para a Alemanha e fugiram para o outro lado da fronteira Alemã, que ainda era zona americana pós Segunda Guerra.
Esta fuga foi planejada com a ajuda de atravessadores, que os levariam escondidos numa carroça cobertos com feno através de uma floresta nas montanhas Sumava. Depois de atravessar a floresta, chegaram ao país vizinho só com as roupas do corpo, cigarros e um ferro de passar roupa. As doze malas com seus pertences (inclusive roupa de cama bordada, feita no atelier de aviamentos da família Bohac) não chegou com eles, acho que o pessoal gostou e ficou com isto.
Tinham um endereço de uma senhora alemã que os esperava para o pernoite com sopa quente. Dormiram em camas cobertas de lençóis de algodão grosso engomado, como se fazia na época, dizia minha mãe. Uns dias depois, continuaram a caminhada ate o campo de refugiados Regensburg, na Alemanha.
Lá havia gente de vários países que se tornaram comunistas na mesma época. Muita ansiedade e confusão, minha mãe dizia que lá não era um bom lugar. Soube depois em minhas pesquisas que em Regensburg todos passavam fome e havia muitas doenças circulando. Era zona americana: os alimentos chegavam, mas eram roubados pelos soldados alemães.
A imagem que me foi dada pelos meus pais ao ficarem na fila para receber a sopa na caneca é esta: Ao chegarem próximos ao caldeirão viram um líquido com gordura flutuando em cima, reparando o desagrado no semblante dos meus pais, o moço que estava atrás deles disse: “Se vocês não querem, eu quero, isso é o melhor que tem por aqui”.
Ficaram neste campo de refugiados uns dias e depois seguiram de trem para Bagnoli, na Itália, fora de Nápoles. La esperariam a vez de emigrar.
Os Tchecos e Eslovacos foram alojados no primeiro bloco, cada bloco era para uma nacionalidade. Teve divisão entre solteiros e casais também.
Os prédios que antes eram uma escola naval para jovens, serviu de alojamento para muitos refugiados de várias nacionalidades. Cada casal ou pessoa solteira ficava num cubículo de quatro paredes de papelão que chamavam de “paravan“, não tinham muita privacidade.
A IRO – International Refugee Organization forneceu roupas para eles. E não preciso dizer que vindo dos italianos, era de muito bom gosto (percebi pelas fotos). Cada refugiado, de acordo com sua profissão, tinha tarefas para fazer enquanto estava lá. Minha mãe era secretária junto com uma senhora irlandesa, Patricia Ryan. O nome dela foi a inspiração para meus pais, eles pretendiam me chamar de Eva, mas os italianos falaram que era nome de pecadora, então mudaram de ideia. E Santa Patrizia era patrona da cidade junto com San Gennaro, por isto me nomearam Patricia.
Meu pai estudou italiano para poder falar na Rádio Free Europe. Assim ganhou uns tostões para comprar alimentos para eles. E pra mim, que já estava a caminho.
Os países que ofereceram exílio eram: Austrália, Estados Unidos, Brasil, Argentina, Peru e África do Sul. Todos queriam ir para a América, mas nem todos foram escalados para lá, a escolha foi feita conforme o estado civil, saúde, profissão e idade. O tempo de incerteza desde que fugiram do pais de origem, foi de quase três anos, de 1948 a 1951.
Na minha busca encontrei um site que me enviou documentos com os nomes dos meus pais, datas de estadia nos campos de refugiados de Regensburg e Bagnoli, a aprovação dos governos da Austrália e África do Sul e a data e nome de voo de Roma a Cidade do Cabo (com a South African Airways), com o nome do responsável por nós no novo país.
Meus pais estavam esperando emigrar para Austrália, mas como minha mãe estava grávida, não puderam embarcar, mulheres grávidas de poucos meses não eram permitidas, assim o navio partiu sem nos levar. Alguns meses depois o navio voltou para pegar a última remessa de imigrantes, mas como eu tinha poucos meses de vida, não pudemos embarcar novamente, pois recém nascidos também não eram permitidos. E assim nosso destino não seria mais a Austrália.
A IRO já não tinha mais dinheiro e os países já não estavam mais oferecendo exílio. Então eles pediram para cada um dos refugiados para lembrar se tinham parentes ou amigos no mundo e se poderiam enviar um visto de trabalho para eles.
Minha mãe tinha duas opções: um tio avô chamado Augustine Brus, que estava em Nova Iorque e tinha uma padaria. Ou um senhor tcheco chamado Pan Vojta, na África do Sul. Quando estava em Estocolmo dando aulas de piano minha mãe conheceu uma senhora sul-africana, esta senhora achou Pan Vojta (que tinha uma olaria) perto de Cidade do Cabo, em Koelenhof, na África do Sul.
Meus pais escreveram para estas duas pessoas explicando a história e ambos os “talvez responsáveis” da emigração mandaram os vistos: para Eua e África. O primeiro visto que chegou foi da África do Sul, então foi pra lá que fomos. O tempo estava passando, já éramos uma família e estávamos ansiosíssimos para “jogar a âncora”.
Logo depois, mudamos para o norte do país, para a cidade predominantemente africaner de Upington, ás margens do rio Orange, no deserto do Kalahari.
Meu pai instalou a olaria na beira do rio, onde havia uma argila de ótima qualidade para confeccionar tijolos. E assim, a família Jirousek, imigrante no país africano, levou sua vida, aprendendo uma língua nova e apreciando as comidas de lá, que era a base de curry; a carne de ovelha era muito consumida como churrasco; geléias de tomate e melão da terra (o mesmo que os bosquimanos encontram nas areias cor de laranja), laranjas docinhas e uvas sultânas, frutas secas (exportadas para o mundo) e vinhos deliciosos. Lá também conhecemos ingleses, holandeses, huguenotes e algumas etnias africanas tribais. O clima por lá era bem diferente da Tchecoslovaquia, o calor era de 45º no verão.
E lá ficamos ate setembro de 1961, quando as primeiras manifestações de negros aconteceram em Sharpeville!
Mudamos para São Paulo, Brasil. Meu pai tinha 4o anos, minha mãe 38, eu tinha 11 e minha irmã 8. E assim chegamos mais uma vez num novo pais!
O que me Inspirou:
O livro Where She Came From da Helen Epstein me inspirou a juntar fatos e olhar minha história com mais profundidade. Enquanto o livro Full Circle: A Refugee’s Tale, do autor Joe Vitovec me confirmou o que meus pais contaram.
E através dos Estudos Biográficos Antroposóficos passei a entender bem melhor a minha jornada.